Tuesday, August 21, 2012

A cara deste país


Fotografia: Gonçalo Afonso Dias, 08/2012

(...) Já aqui editei uma fotografia deste senhor. Se bem me recordo intitulei-a "O novo inquilino".
Da rua onde tenho o meu atelier...
Vejo-o todos os dias e todos os dias sinto uma enorme impotência por não o conseguir ajudar.
Confronto-me, neste trabalho, com uma recorrente questão ética: revelar ou ocultar a face deste homem?!
Por norma não o faço. Preservo aquilo que se entendo (ainda) ser a "
dignidade do ser humano".
Mas é uma falsa questão, sobretudo quando se trata de fotojornalismo. Qual dignidade?! Qual humanismo?!...
Digno, seria alguém poder fazer mais do que eu tenho tentado...
Hoje, com 40 graus, este homem que tem nome - João - estava prostrado, ao sol, embriagado, desidratado, no limite...
Tentei acordá-lo, tentei falar com ele, pedir-lhe para se proteger do sol que o queimava. Em vão...
Já desisti, porque já tentei em casos semelhantes, apelar ao INEM ou aos bombeiros. Dizem-me que não... que ele não vai, que foge assim que os vê...
Procurei saber na mercearia vizinha quem é este homem - a resposta da indiferença: Está assim porque quer... Até tem dois filhos bem na vida...
Por isso, mostro hoje, sem qualquer hesitação de origem ética, a cara do Sr. João. Porque tem cara, porque é gente, porque precisa de ajuda.
Eu também preciso de ajuda para o conseguir ajudar mas esbarro no recorrente muro da indiferença e sofro, dia após dia, sempre que o vejo ali, prostrado, à espera da morte.
Vejam bem a cara deste homem. Do João que tem dois filhos que não querem saber dele.
É a cara deste país. É a cara deste nosso povo, tão bom e tão esquecido, marterizado. Fixem-na.
E que aqueles que nele tropeçam sem darem por isso - porque não querem ver - dormem tranquilos nos seus confortáveis "cantinhos\"... É preciso que este país acorde, é urgente devolver a réstia de esperança que estas pessoas merecem e precisam mais do que o pão, mais do que o vinho que os atordoa.
Para aqueles que têm o dever e a responsabilidade social de acudir a estas pessoas aqui deixo a sua morada - um passeio desabrigado, na Rua do Murtal, S. Pedro do Estoril, mesmo em frente ao concorrido restaurante
"Faz-te ao Bife"... Que grande ironia, que grande maldade...(...) texto editado no Olhares.com
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Restia de Esperança
Fecham-se as cortinas,
Quebrando ao meio o ultimo raio de sol.
Na escuridão agora eu estou,
Na escuridão a minha alma mergulhou.

Mantenho-me apreensivo,
Já nada me seduz, já nada me conduz.
Apenas uma réstia de esperança ficou,
Resultado da luz que pela janela entrou.
(João Filipe)

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