Monday, July 30, 2012

Os imigrantes Portugueses em Angola - A mudança de paradigma

ACTUALIZAÇÃO - 01 DE AGOSTO DE 2012:
Transcrevo um comentário aqui deixado por uma das "honrosas excepções" a que me refiro neste texto.
Trata-se de uma pessoa que, com o marido, se mudou para Angola há um par de anos e que, naturalmente, já formou uma opinião sólida sobre este assunto:


Elsa Faria said...
Análise sábia a tua... só me entristece que esses "artistas" além de estarem a tratar mal quem os acolheu, deixem como imagem de marca o "português" que a todos envergonha... a mim envergonham-me, diariamente... por isso não fazem cáfalta... nenhuma!!!!


Aquele abraço, Gonçalo!
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"Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos."

(Nelson Mandela)
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Não gosto de generalizar.

Procuro, em cada texto que escrevo, informar-me e documentar-me previamente sobre o conteúdo ou os conteúdos que abordo.

Neste caso, porém, a fundamentação da opinião que se segue é baseada no conhecimento "in loco" e da experiência que acumulei na vida em Angola, antes, durante e depois da Independência dessa ex-colónia portuguesa, agora, mais do que nunca, um destino preferencial na crescente onda de imigração de portugueses que, no contexto de Crise e Austeridade imposto a Portugal pela Troika, agravado pela governação submissa aos interesses do eixo Franco-Alemão e dos grandes grupos económicos, perversa e desumana do primeiro-ministro português - Pedro Passos Coelho - e dos seus acólitos no poder.

Como angolano e português que sou há quase 48 anos, divididos entre esses dois países, conheço com uma substancial profundidade as duas realidades, tanto do ponto de vista socioeconómico e político, como no que diz respeito ao modo de vida e aos costumes dos dois povos.

Por formação e carácter não me abstenho, em Portugal ou em Angola, de, utilizando responsavelmente o Direito à Liberdade de Expressão, me manifestar frontalmente contra tudo aquilo que entendo ser politicamente condenável, culturalmente criminoso e atentatório dos Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos tenham eles a origem, a religião ou a cultura que tiverem.



Não tenho qualquer fidelidade partidária, não sigo qualquer ideologia política mas tenho ideais que, em muitos aspectos de podem considerar "de esquerda".

Estou portanto, como sempre estive à vontade para me exprimir, para criticar, concretizando, e para, quando as situações a isso me obrigam as Denunciar publicamente.

Se a minha posição em relação aos sucessivos governos portugueses tem sido amplamente manifestada neste blogue, já em relação a Angola ela carece de uma maior concretização:



Desde 1984 que viajo com frequência para Angola e, dentro de Angola para todas as suas províncias, conhecendo em profundidade a situação de cada uma delas e estando muito atento à situação e às condições de vida do povo angolano.

Reconheço, porque constato, que tem havido um esforço significativo do governo angolano na Reconstrução de um país assolado durante 3 décadas pelo flagelo da guerra.
Reconheço, como a grande maioria dos angolanos, o papel fundamental do seu presidente - José Eduardo dos Santos - na conquista da Paz e da estabilidade económica dessa potência da África Austral.

Critico e choca-me visceralmente o fosso social que persiste entre os angolanos (novos-ricos) e um povo que maioritariamente continua a (sobre)viver com indescritíveis dificuldades de toda a ordem (Trabalho, saúde, condições de vida e uma pobreza extrema). Um povo que sofre, que continua a sofrer, e que é confrontado diariamente com os sinais de riqueza e com a ostentação dos "que podem".

Angolanos que são agora "colonizados" pelos seus próprios patrícios, explorados e desrespeitados na sua dignidade.

Pessoas com Direitos e Deveres como todas as outras mas que carecem de uma particular solidariedade sob pena de continuarem a assistir à morte e à doença dos seus filhos e familiares, à falta de instrução, à ausência de um "Futuro"...

Não reconheço o conceito de "Democracia Musculada" - já o escrevi: "só considero duas hipóteses - ou há democracia ou não há democracia.
Entendo, contudo, que o modelo de democracia europeu - já decadente e obsoleto, não pode ser implementado em África "tou-cour", sem atender à especificidade dos seus povos em todos os seus aspectos, sem compreender a sua Idiossincrasia.
Reconheço ainda a extrema dificuldade que representa governar e reconstruir um país assolado pela guerra, onde as novas gerações cresceram e viveram num ambiente de dor, de morte e de miséria. Mas penso que se pode e deve fazer muito mais.

Assisto com pena e com a dor de quem estima o património cultural e arquitectónico à mutilação de edifícios e cidades e à construção desmedida e opulenta de edifícios "importados", inspirados em modelos que nada têm a ver com Angola (Dubai por exº), à presunção generalizada de que a modernidade passa pela utilização massiva do vidro e dos revestimentos em alumínio (num clima tropical, com elevadas consequências no comportamento térmico dos edifícios e nos custos inerentes, num território que é uma "enciclopédia de soluções de ensombramento), à ausência de um planeamento consistente e abrangente - o que tem gerado o caos nas maiores cidades, Luanda no topo.

Esta introdução esclarece, espero, o meu conhecimento da realidade em Angola e o meu posicionamento imparcial, sem vínculos ou o "rabo preso" a quem quer que seja.
Este pequeno artigo visa sobretudo abordar e reflectir sobre a imigração em massa de cidadãos portugueses para Angola: Quem vai, porquê e qual a sua postura profissional e pessoal nesse país independente e tão carente de gente interessada verdadeiramente em contribuir com trabalho e dedicação para a sua reconstrução e para a melhoria das condições de vida do seu povo - a criação de emprego digno e justamente remunerado.

Para isso importa primeiro fazer aqui uma retrospectiva sobre a quantidade e a qualidade de quem, desde 2004 tem voado para Angola.


A MUDANÇA DE PARADIGMA

Angola, 15 vezes maior que PORTUGAL, acolhe actualmente cerca de 200.000 portugueses, um nº que aumenta diariamente consequência da Crise Económica, da Austeridade e do Desemprego exponencial que se vive em terras lusitanas

Quando em 2004 reiniciei a minha actividade profissional em Angola e as viagens regulares para esse país no âmbito dessa actividade, os aviões iam cheios de imigrantes. Hoje continuam a ir cheios de imigrantes, cada vez mais aviões, cada vez mais repletos de gente que "foge" de Portugal à procura de um emprego, de condições de vida dignas.
No entanto, constato uma notável diferença entre o género de pessoas que imigravam em 2004 e aquelas que hoje imigram.
Em 2004 via sobretudo pessoas humildes, sem grande instrução recrutadas maioritariamente pelas grandes construtoras portuguesas a operar em Angola (Somague, Soares da Costa, Mota Engil, etc,) para trabalhar nas obras - pedreiros, serventes, "trolhas".

A reconstrução de Angola dava os primeiros passos e estava tudo por fazer.
Um salário de 5000 Dólares Americanos (USD) era, nesse tempo uma autêntica fortuna.

Hoje, cada vez mais, imigram para Angola técnicos médios e superiores e muitos licenciados.
Muitos deles antes da Crise, da Troika e de Passos Coelho ocupavam em Portugal cargos directivos, tinham um bom ordenado, uma vida tranquila. Estavam a pagar a casa, os carros e outros luxos, iludidos no tempo das "vacas gordas" e do crédito fácil.
Vão agora, como antes referi, em massa para outros destinos sendo Angola um dos mais procurados.

Mas o "El Dorado" angolano acabou...

Angola impõe hoje regras e condições e tornou-se mais selectiva no que respeita a abrir as portas a qualquer um. E muito bem, na minha opinião.
A concorrência estrangeira aumentou em todos os sectores mas sobretudo na Construção onde os chineses não dão grandes hipóteses em termos competitivos. As grandes construtoras portuguesas entraram em declínio e 5.000 USD/mês já não chegam para viver confortavelmente, sobretudo em Luanda - a cidade mais cara do Mundo.

Continua a haver uma carência significativa de quadros superiores, apesar do regresso "à terra" de muitos angolanos qualificados que se formaram em Portugal e aqui fizeram as suas vidas durante muitos anos.

Já não se fazem fortunas "de um dia para o outro" em terras angolanas. É preciso trabalhar muito, criar empregos, aceitar o princípio fundamental de que se está num país independente com as suas regras e especificidades.



E é aí que "bate o ponto"...



Muitos desses portugueses, (há excepções felizmente e não gosto de generalizar - repito) não "digeriram" ainda o facto de Angola já não ser há muito uma colónia portuguesa. 

O que os move e o que o faz imigrar resume-se a "ganhar dinheiro", amealhar o mais possível e o mais depressa possível para um regresso confortável a Portugal.

Estão-se "nas tintas" para os angolanos e para a reconstrução do país, para a criação de postos de trabalho e para a tão urgente formação de quadros angolanos.

Com um espírito neocolonialista e um complexo de superioridade próprio de gente mal formada destratam os angolanos, criam conflitos nos locais onde trabalham, exercem um racismo mal disfarçado.



Essa triste realidade é mais visível quanto mais altos e bem remunerados são os cargos que ocupam. Directores e gestores que saíram de Portugal com "uma mão à frente e outra atrás" não escondem a "falta de chá" e a falta de formação cívica, abusando das competências que lhes são atribuídas com uma arrogância e uma prepotência que só pode acabar mal. E acaba mal, mais cedo ou mais tarde.

Nestes 8 anos de trabalho continuado em Angola já "choquei de frente" com dois desses "artistas"... vi também os dois a cair do altar... Um deles já regressou "a casa", o outro... apenas uma questão de tempo.



Defendo que em Angola há lugar para todos.



Mas também defendo que Angola deve recrutar para esses cargos os angolanos qualificados que estão no estrangeiro e, mais importante, formar em quantidade e qualidade, nas suas universidades, técnicos e quadros superiores, deixando assim de precisar de tolerar gente "mal-acabada" e formatada segundo os padrões do antigo regime.


Acabo com as excepções - são muitas, cada vez mais, felizmente, sobretudo nas gerações mais novas.
Gente que vai a Angola pela primeira vez, que encontra um caminho para a vida, que se identifica com o país e com o seu fantástico povo e que, ao fim de algum tempo de lá já não quer sair.
Gente nova que muitas vezes casa com angolanos (as), constitui família, cria raízes profundas.

É dessas pessoas, bem formadas, sem complexos, disponíveis, tolerantes e activas que Angola e os angolanos precisam querem e acarinham, como irmãos.

Os outros, aqueles que põem o "canudo" à frente dos princípios e da educação bem podem deixar-se ficar por aqui. Não fazem falta. Como angolano o afirmo.

2 comments:

Elsa Faria said...

Análise sábia a tua... só me entristece que esses "artistas" além de estarem a tratar mal quem os acolheu, deixem como imagem de marca o "português" que a todos envergonha... a mim envergonham-me, diariamente... por isso não fazem CÀ falta... nenhuma!!!! Aquele abraço, Gonçalo!

Gonçalo Afonso Dias said...

Obrigado amiga!
Importante este teu testemunho porque fazes (sei) parte das "excepções" que salvaguardo neste texto.
Conheço o teu percurso e até pelo teu trabalho em fotografia se intui a tua "forma de estar" em Angola, a tua empatia e a tua identificação com o povo, com as crianças e com o país. Bem hajas por isso! Bjs