Sunday, April 29, 2012

Escada para o Desespero


Fotografia: Gonçalo Afonso Dias. Luanda 2008




(Kilamba-Kiaxi - fotografia Net)




Escada para o desespero

Esta fotografia não carece de grandes explicações. Assim só e tratando-se de uma imagem captada num bairro popular da periferia de Luanda - Samba - permitiria múltiplas interpretações, todas elas com um sentido humano.

Contudo, tratando-se de fotojornalismo, importa contextualizar minimamente para melhor transmitir o âmbito social e a emoção que esse me provocou.

Esta como muitas casas "clandestinas", foram condenadas à demolição coerciva no âmbito de um qualquer (e desumano) Plano de Reconversão e Requalificação Urbana do Governo Provincial de Luanda (GPL). Um Plano despótico, com razões pouco transparentes e onde as pessoas (na maioria dos casos deslocados de outras províncias na altura da guerra) não viram minimamente assegurados os seu Direitos elementares.

É evidente, para quem conhece o "software" de grande parte da classe dirigente angolana, que os terrenos onde estes bairros cresceram, têm hoje um valor exorbitante...

As casas a abater, como esta, são "carimbadas" por funcionários do Governo, onde constam as letras «GPL» e um determinado nº...




Fotografia: Gonçalo Afonso Dias, Luanda

É a sentença de "morte". Depois, em nome de um Estado que "faz de conta" que valoriza os Direitos Humanos, estas pessoas são deportadas para autênticos Campos de Concentração, na forma de prédios de habitação social (Kilamba-Kiaxi, é só um ex.) e ali ficam esquecidas e desenraizadas dando origem, inevitavelmente a novos "Guetos" férteis para a marginalidade.

Não basta ao Governo anunciar (e executar) a construção de milhares de fogos para realojamento. Importa questionar como isso é feito, com que conhecimento sociológico, com que bases conceptuais. A História recente da construção apressada de "novas cidades" é uma História de Fracassos.



Fotografia: Gonçalo Afonso Dias


O "drama" da sobrelotação de Luanda e mais concretamente do caos e do desordenamento urbano exponencial (Luanda tem já mais de 5 milhões de habitantes) só poderá ser resolvido tecnicamente e planeadamente, com a criação de equipas compostas por especialistas experientes nas mais distintas matérias - arquitectos, engenheiros, sociólogos, urbanistas e gente criativa, despegada do poder e focada exclusivamente no "enigma" a resolver.

Quando não sei. Depende da cultura, da mentalidade e da sensibilidade dos governantes desse fantástico país que, infelizmente, até agora, apenas têm conseguido ver o seu umbigo.




(Uma espécie de Massamá mas para pior...)
Quanto à demagogia da retórica... sem comentários...)




(Massamá, Sintra, Portugal)


POR OUTRO LADO...

Sabe-se, pelo menos em teoria, que existem um (ou mais) protocolos entre a Ordem dos Arquitectos Portugueses (O-A) e a Ordem dos arquitectos angolanos (O-A-A).

O que eu constato, como arquitecto português e simultaneamente arquitecto angolano é que essa desejável relação não passa de ténues intenções e de "flores" da politiquice.

Vivemos numa época em que, dada a evidente crise económica e financeira que se vive em Portugal o que parece importar aos governantes portugueses é o "despejo" dos quadros superiores (arquitectos incluídos - são mais de 40 % no desemprego para os Países Oficiais de Língua Portuguesa, Angola em destaque, claro.

Quando atrás referi o total absurdo conceptual da construção da "Nova Cidade de Kilamba-Kiaxi", não pude deixar de me interrogar sobre as vantagens que teria uma discussão séria e uma cooperação alargada entre os arquitectos portugueses e os angolanos.

Tinha-se ganho muito... Desde logo nas bases estruturais (sociais, evidentemente) da criação apressada e descontextualizada de novas cidades.

Entendo, até certo ponto, que para os governantes angolanos, a prioridade tenha sido numérica e não qualitativa. Os chineses constroem mal mas depressa...

Mas por aqui, e estou em Lisboa, essas questões tão importantes na arquitectura e no urbanismo em particular não tiveram qualquer correspondência.

É triste, para mim, nessa dupla condição que antes referi (angolano e português) ver que o interesse dos portugueses por Angola se limita basicamente a soluções do foro financeiro e económico.

Receio, por outro lado, que a Ordem dos Arquitectos Angolanos, esteja a seguir cegamente o mau exemplo e a praticar os mesmos "crimes" em que a (O-A) é reincidente.

Conheço mal a Ordem dos Arquitectos Angolanos e a Ordem dos Arquitectos Angolanos não só não me conhece, como não tira partido da experiência e da disponibilidade de tantos profissionais, conhecedores da realidade angolana, disponíveis para ajudar à reconstrução do País, capazes de fazer obra e, sobretudo, de formar quadros qualificados.

As cidades angolanas foram, nos anos 50 e 60, sobretudo, um espaço privilegiado para o experimentalismo dos arquitectos portugueses, maioritariamente fugidos ao regime ditatorial vigente no seu país.

Em Angola, de Norte a Sul, a quantidade, a qualidade e a coerência da arquitectura feita nesse período merecia obviamente da parte de Portugal e de Angola, um levantamento rigoroso e exaustivo, um estudo profundo, que consolidasse esse património e servisse de inspiração para o desenvolvimento que se demonstra ano após ano.

Por vezes, e apesar de ter vindo solitariamente a tentar divulgar a arquitectura de excelência feita em cidades como o Huambo, Lubango, Lobito, Benguela e tantas outras, fico com a amarga impressão que não interessa, na verdade, aos "iluminados" arquitectos portugueses a referida divulgação dessas obras e projectos. Talvez, e até pode ser a minha "má língua" a falar, porque aquilo que esses agora fazem, publicam e celebram como "inovações" já lá foi feito (e  bem feito) há algumas décadas.




Edifício Anangol - Arq. Vasco Vieira da Costa, Luanda


2 comments:

AM said...

muitos parabéns por mais este excelente "post"

Gonçalo Afonso Dias said...

Obrigado AM. Já tinha saudades te te (ler) por aqui. Abraço e bom Domingo.