Wednesday, November 30, 2011

O Fado Maior - Uma questão de Lógica



O Fado é agora Património Imaterial da Humanidade.
Eu gosto de Fado. Do Fado "puro e duro", cantado e celebrado nas "tascas", nos restaurantes e nas Casas de Fado, por gente conhecida ou anónima, muitas vezes "à desgarrada".



Aí o Fado é genuíno, o ambiente é vibrante e, sobretudo, divertido.


As distinções e/ ou os prémios internacionais valem o que valem... 
Concordo com a fadista Ana Moura; O Fado já é, há muito, um património da humanidade, (...) A fadista Ana Moura admitiu à Lusa que o reconhecimento do fado como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO vai dar-lhe uma nova visibilidade, mas defendeu que «o Fado sempre foi património da Humanidade». (...)  assim como sempre foi um património português e, genuinamente lisboeta.


Gosto de Fado, mas prezo sobretudo a Cultura.
Entendo que a política, como quase tudo na vida, deve ter uma lógica. Uma lógica que, em filosofia, é conhecida: Do Geral para o Particular.
A cultura deve ser entendida como um todo. O fado, o Cinema, o Teatro, a Música, a Fotografia, as Artes Plásticas, etc. pertencem, nessa lógica, ao domínio do "particular". Juntas são o "Todo", o "Geral".


Nesse sentido, custa-me a entender que, num país onde a Cultura está no fim da Lista de Prioridades do Governo, em que tem sido sistematicamente desprezada e progressivamente asfixiada, se tenha investido numa candidatura (que vale o que vale, repito) onde se gastou muito dinheiro e muito dinheiro se vai gastar muito mais nos próximos 4 anos: (...) Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da capital, explica ao DN que a promoção do fado no exterior custou cerca de 300 mil euros e que, ao longo dos quatro anos que dura o plano de salvaguarda da canção de Lisboa, será investido um milhão e 200 mil euros, metade do que argentinos gastaram com idêntica candidatura do tango e muito menos do que aquilo que espanhóis investiram na defesa do sua dança.(...)


Num país onde as Companhias Independentes de Teatro estão, por via das medidas de austeridade impostas pelo Orçamento de Estado (O-E) para 2012, (hoje aprovado pela Assembleia da República) confrontadas com um corte de 38% nos parcos subsídios com que têm sobrevivido. O maior, mais prestigiado e internacional dos nossos festivais de teatro - O Festival de teatro de Almada - está em risco de colapso. 
Num país onde os mais notáveis actores, agora aposentados, sobrevivem com pensões de miséria.


Num país onde, todos os dias, dezenas de estudantes universitários abandonam os seus cursos superiores, em muitos casos já no último ano do Licenciamento, por não terem como pagar as suas propinas.
Num país onde a mais antiga Universidade, e uma das mais prestigiadas da Europa - a Universidade de Coimbra - está em risco de não resistir aos cortes e restrições do referido (O-E) e de, pura e simplesmente se ver obrigada a "fechar as portas" em 2013.


Num país que assiste presentemente à maior "fuga de cérebros" para todo o mundo, onde encontram condições para trabalhar, investigar e progredir.
Num país onde, este ano, mais de 40% dos arquitectos estão desempregados, ou na eminência de assim ficarem.


Volto à questão da lógica... Não há. Na cultura como na Educação, como em todas as outras áreas da governação. Assistimos a um "cortar a direito", sem atender às especificidades e particularidades daquilo que selvaticamente se amputa; Direitos, Liberdades e Garantias consagrados na Constituição.


Os nossos governantes apressaram-se, em declarações públicas, (hilariantes se não fossem tristemente reveladoras), a realçar o enorme feito, numa unanimidade que a mim me faz desconfiar. Tal como me afligem todas as unanimidades "Toda a unanimidade carece de criatividade" (Ediel)
A questão essencial, quanto a mim, é a de saber o que ganhou, de facto e hipocrisias à parte, a nossa cultura com essa distinção. Provincianamente, os referidos governantes enaltecem as vantagens para o Turismo. Esquecem-se, ou nunca foram aos locais onde se canta o Fado, que aquelas pessoas que lhe dão nome sobrevivem também. Esquecem-se, ou não lhes interessa, que, agora mais do que nunca, esses locais estão a ser condenados à falência e os artistas à emigração.


Acabo como comecei. Gosto de Fado. 
O que não aceito é que nos queiram transformar em figurantes mudos de um Fado Maior;
Onde, no lugar de músicos temos agora tecnocratas.
Onde, no lugar de um público autêntico, conhecedor e entusiasta, se pretendam turistas mais ou menos endinheirados.
Onde, no lugar de autores e intérpretes temos agora ministros e Secretários de Estado.
Onde, no lugar de letras inspiradas, de poemas sentidos, temas agora as regras da Troika e os diplomas do (mal)dito Orçamento de estado.


Não tem lógica.



(...) Se tendermos a identificar o estado de direito à democracia na medida em que a lei é o produto de um parlamento representativo, a elaboração quase contratual da lei com os grupos de interesse contradiz-se com a noção de lei como expressão da vontade geral, ou mesmo, se assim desejarmos, da maioria dos cidadãos.
Por outro lado, a atribuição à vontade geral ou a uma maioria dos cidadãos torna-se uma ficção cada vez mais difícil de aceitar.
As negociações comportam a redução da transparência da lei e a perda da publicidade e da sua produção que a visão liberal da lei considerava importante. (...)


(PITKIN, 1985, P. 188)



2 comments:

jraulcaires said...

parece que ganhou ao kung fu de Shaolin. A mim, às tantas, é-me indiferente que façam parvoíces, desde que não seja à minha custa...

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=CVvuDYBFka8

Gonçalo Afonso Dias said...

Obrigado jraulcaires por este teu regresso ao "Artes e Ofícios". Estive muito tempo ausente mas agora vou dar ao blogue a atenção que lhe tem faltado.
Adorei o vídeo! Vou editá-lo também. Obrigado e um abraço.