Sunday, December 04, 2011

"O Sofrimento do Hipócrita"



Miguel Relvas, ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do Governo foi vaiado no congresso da Associação Nacional de Freguesias que ocorreu no Sábado, dia 3 de Novembro em Portimão.

É um facto. Como é um facto metade dos congressistas terem abandonado a sala onde decorriam os trabalhos, manifestação de protesto contra a proposta de extinção de freguesias defendida pelo governo.

A contestação não nasceu no dia do Congresso. Tem sido manifestada publicamente por diversos autarcas, por distintos políticos e analistas, por populações e gente anónima, em variadíssimas ocasiões e locais.

Todos os argumentos são válidos numa sociedade democrática.
Porém, há que fazer a destrinça entre a argumentação fundamentada e séria e a argumentação demagógica ou hipócrita.

Já não é próprio de uma democracia que um ministro, ao ser confrontado com uma manifestação de protesto, se refugie em sofismas e  Teorias de Conspiração. Diria mesmo que é um procedimento típico das sociedades totalitárias.


Relvas poderia ter ficado por um exercício de retórica tão do gosto dos governantes e políticos. Poderia ter recorrido aos lugares-comuns tão gastos na prosa política " Vivemos em democracia e, portanto respeito e considero todas as críticas, mas, mas, mas...". Por exº.
Mas não. Afirmou, sem concretizar, que a referida contestação teria sido gerada propositadamente contra si, tentando, desse modo, pessoalizar uma questão abrangente e séria, tentando desviar, por outro lado, as razões daquele protesto para o centro do seu Universo: o seu umbigo.

É triste, é "O sofrimento do Hipócrita".


"O Sofrimento do Hipócrita"
Ter mentido é ter sofrido. 0 hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. 0 odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. 0 verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se. 0 traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. 0 hipócrita é um titã-anão.


(Victor Hugo, in "Os Trabalhadores do Mar")

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