Monday, December 11, 2006

Casa de fim-de-semana (ou um pretexto para "falar" do Mussulo)






Segundo diversos autores, a origem do nome Mussulo reporta-se à época do tráfico de escravos, em que um grupo significativo, originário do sul, foi ali estabelecido transitoriamente.


Uma outra versão defende que esse topónimo se deve a um homem de nome Mateus de Magalhães, vindo da América, que ali se radicou professando a Religião Muçulmana.

A famosa ilha do Mussulo (em rigor uma península ou restinga) é um dos destinos preferidos para os fins-de-semana de Luandenses e de estrangeiros, devido à relativa proximidade, beleza natural, mas sobretudo às paradisíacas praias de areia dourada e água temperada.
É no Mussulo que "os que podem", recarregam as baterias de uma semana de trabalho vivida no ambiente desgastante da capital.



Acede-se à ilha, a partir da cidade de Luanda, em embarcações privadas (ancoradas nos clubes náuticos), ou colectivas – embarcações das grandes empresas ou ainda "o Kapossoka"(1) que sai do velho embarcadouro na Costa da Corimba.
Os adeptos de “aventuras radicais” podem alugar os serviços de um dos muitos Kandongueiros (2) que fazem uma travessia alucinante, em pequenas (mas velozes)embarcações que se concentram nas imediações do Museu da Escravatura (3).

O acesso automóvel pela estreita lingua de terreno que liga a cidade à ilha é outra façanha, só possível com um jipe tripulado por um motorista experimentado e conhecedor das ”armadilhas” do terreno.

Sociologicamente, este território aparentemente inócuo, contém uma notável complexidade que se reflecte nas relações, crenças, modos de vida e rituais dos nativos dos sete sectores em que a comuna está organizada: Cambambe, Contra Costa, Macoco, Mussulo Centro, Ponta da Barra, Prior e Zanga Dia Nzenga.



O povo do Mussulo é extraordinário e acolhedor sobretudo as suas inumeras crianças que se divertem em grupos e nunca resistem à presença de uma máquina fotográfica.
Quando não brincam no mar, inventam os seus fantásticos brinquedos com materiais que recolhem do lixo.




Contudo, é uma população extremamente pobre, sem condições básicas de educação ou de saúde, indefesa perante doenças mortais como a malária ou a cólera.







Pode-se tentar compreender esta ilha a partir do conhecimento das suas duas longas frentes marítimas - A Costa Continental (Baía) e a Costa Atlântica (Contra Costa).
A vasta faixa de areia entre as duas costas é uma espécie de "terra de ninguém", onde além da vegetação existem algumas originais construções.





A Costa Continental destaca-se, desde logo, pelos impressionantes coqueiros que se perfilam junto à margem.

A construção é permitida ao longo desta costa e tem vindo a crescer, sobretudo nos últimos anos, de uma forma anárquica, sem qualquer planeamento ou infra-estrutura básica.
Há construções de todos os gostos e de todos os feitios, frequentemente ostentando o estatuto dos seus proprietários, numa espécie de "desgarrada" urbanisticamente preocupante.



Recentemente "estão na moda" as casas rústicas "de catálogo"com soluções espaciais diversificadas, formalizadas em modelos importados do Brasil ou da África do Sul.

Os aldeamentos turísticos, com transporte marítimo privativo (O "Zanga"é nesse ramo um dos mais emblemáticos)estão em franca expansão, vocacionados para as férias de cidadãos mais abastados ou para os quadros "expatriados" que servem as inúmeras multinacionais instaladas na cidade.

Explorando zonas ligeiramente mais interiores descobrem-se curiosas ruínas de antigas construções coloniais abandonadas depois da Independência.

Uma das referências arquitectónicas dessa época, é a recentemente restaurada Igreja do Mussulo.


Na Contra Costa, o mar é límpido e mais agitado. A praia estende-se por quilómetros, só pontualmente “perturbada” pela presença das embarcações dos pescadores que aí vivem e trabalham com as suas famílias, em pequenas comunidades isoladas.



Projecto
Em 2005 surgiu-me a oportunidade de intervir neste lugar, através da encomenda de um amigo concessionário de um dos lotes "construíveis" na faixa mais avançada da costa.
Esse lote é parte de um terreno da família, mais vasto, que se estende para o interior.



Confina do lado nascente com um lote idêntico onde está implantada uma das referidas casas "à la carte", impessoal e espacialmente indiferente às potencialidades impares do sítio.
Posteriormente, o projecto acabou por se alastrar a essa casa (propriedade de um irmão) que será ampliada através de um corpo em "L" prolongando o espaço exterior coberto (virado para o mar) e abrigando, numa estreita faixa, um conjunto de espaços de apoio de que a casa carece (cozinha e casa de banho exteriores, arrumo, zona de estendal, barbecue, etc).


O projecto da "casa nova" foi pensado em conjunto com a referida ampliação procurando-se um alinhamento que estabilize a frente do terreno e transmita uma imagem de conjunto.



As únicas exigências "legais" para a nova construção foram a cércea (2 pisos) e a utilização de uma cobertura cerâmica.

A principal reflexão na fase inicial de concepção teve a ver com o acerto da escala da nova construção e com o consequente impacto que esta virá a ter do lado do mar.
Por outro lado, importava integra-la no ambiente sem recorrer ao imediatismo de uma casa de estrutura e ripas madeira com balaústres e arrebicados telhados, assumindo pelo contrário, uma contemporaneidade formal e tipológica.

Uma outra preocupação que esteve na génese do projecto prende-se com o modo muito particular de habitar e de "estar na ilha". A vida é feita "na rua" entre a praia e o Jango(4)onde se celebram as refeições em família que normalmente se alongam em animadas conversas.



O programa funcional para esta casa não difere muito dos programas correntes para as habitações unifamiliares comuns: sala, cozinha, quartos, casas de banho, etc.
A interpretação e adequação do programa à construção numa ilha com as características já mencionadas e a capacidade dos seus espaços potenciarem uma utilização descontraída, flexível e exteriorizada foram provocações fundamentais para o desenvolvimento entusiástico desta proposta.

A previsível dificuldade de interpretação técnica de soluções menos correntes, pelas eventuais pequenas construtoras, informaram (simplificando)desde o início o desenho e a modulação estrutural, no sentido de acautelar erros grosseiros, de outro modo, inevitáveis e comprometedores.

A casa assenta numa plataforma (ensoleiramento geral) de aproximadamente 22x14 metros e o programa distribui-se em 2 corpos desfasados mediados por um espelho de água central descoberto.
























Esta secção em "Z" anula o impacto que resultaria de uma edificação de dois pisos com uma frente complanar.





O conceito funcional é claro: o piso térreo é dedicado aos espaços sociais (sala, cozinha interior, sanitário) enquanto o piso superior acomoda as áreas mais privativas da habitação (quartos e respectivas instalações sanitárias).

Essa dicotomia é reforçada pela orientação distinta dos dois corpos.

O volume inferior, voltado a nascente, tira o partido possível da vista e da proximidade ao mar e à praia. A sala desdobra-se para o exterior numa grande plataforma coberta, pavimentada em madeira.

O tradicional "Jango" é aí recriado através de painéis amovíveis em rede emoldurada por caixilhos de ferro que, quando corridos, delimitam e resguardam a área de refeições no exterior.
Do mesmo modo a cozinha interior tem continuidade para fora onde será seguramente mais utilizada.

O volume superior orientado para poente, onde a vegetação é abundante, é rematado por uma varanda corrida que serve todos os quartos.


O fantástico pôr-do-sol do Mussulo poderá daí ser tranquilamente contemplado.
O corredor de acesso aos quartos terá uma vista projectante sobre o espelho de água central através do vazio (entre vigas) já referido.





A obra já se iniciou ao "ritmo possível" tendo em conta as dificuldades existentes (transporte de máquinas e pessoal, aprovisionamento, segurança, etc.).




1- Embarcação pública que faz a travessia Mussulo/Luanda desactivada durante largos anos. Anuncia-se para breve a sua reactivação.

2- Na cidade são as populares as indestrutíveis carrinhas Toyota HiAce azuis e brancas que "fazem as vezes" dos táxis, famosas pelo estilo de condução "Kamikase".

3- Antiga Feitoria a cerca de 18 km da cidade para onde os escravos eram enviados antes de serem vendidos na América.

4- Espaço exterior normalmente circular ou octogonal onde se fazem as refeições da família)

4 comments:

Roma said...

He leído atentamente y voy viendo que no me resulta tan difícil de entender. El lugar es maravilloso, y el edificio proyectado me gusta muchísimo. Ha sido muy grato hacer todo el recorrido explicativo viendo las fotos y comprendiendo la génesis del proyecto y su complejidad.

AM said...

valeu a pena a longa espera :)

José Eduardo Silvestre said...

muito bem Gonçalo bastante interessante.... e o projecto é bestial. Demoraste tanto a colocar alguma coisa que pensava que já tivesses desistido.
Olha já agora http://nobresilvestre.blogspot.com/
Um abraço

Dolores Disaster said...

" antigo presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA), Álvaro Sobrinho, terá desfalcado o banco num equivalente a pelo menos 433 milhões de dólares (350 milhões de euros), através de um esquema de empréstimos a empresas de quem não se conheciam sócios — e que, suspeitam as autoridades, estariam ligadas ao próprio Sobrinho. Juntando a esse valor os 182 milhões de dólares (que, segundo noticiou o Expresso em junho), Sobrinho recebeu das offshores Grunberg e Pineview (e, também, em nome próprio), ascendem a cerca de 500 milhões de euros os fundos que o empresário angolano terá desviado do BESA naqueles anos."

"O DCIAP e o Ministério Público suíço estão a investigar este caso de burla qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais. A documentação inclui vários e-mails trocados entre Álvaro Sobrinho e o cunhado, Manuel Afonso-Dias, que lhe geria a fortuna privada, onde fica claro que Álvaro Sobrinho fez os levantamentos suspeitos e transferências/depósitos para as empresas suspeitas.

Em várias ocasiões, nesses e-mails, Manuel Afonso-Dias aparece a queixar-se do “caos” contabilístico que era gerado por estes movimentos. Perante a preocupação do cunhado quanto ao que se chamavam de “suprimentos”, Álvaro Sobrinho disse-lhe, por exemplo, que “no banco não tens de dizer nada. Se, por acaso, te perguntarem, só tens de dizer que são dívidas entre empresas”.

http://observador.pt/2018/03/03/como-sobrinho-desfalcou-o-besa-em-quase-500-milhoes-de-euros/