Friday, February 17, 2012

O desenho de Carlos Afonso Dias / The drawing of Carlos Afonso Dias



Carlos Afonso Dias (C.A.D.) era engenheiro geógrafo de profissão, licenciado em Matemáticas. Foi Investigador Principal no Instituto Nacional de Investigação de Pescas (I.N.I.P.)



Carlos Afonso Dias (C.A.D.) was a geographical engineer, licensed in Mathematics. Was a main investigator in the national institute of fishing investigation (I.N.I.P.)

Desempenhou essa actividade de um modo empenhado, voluntarista e inovador tanto em Angola como em Portugal.


He performed this work in a committed, proactive and innovative way in Angola and Portugal.


Não sou a pessoa mais indicada para escrever com rigor e conhecimento científico sobre o seu trabalho nesse domínio. Fui sempre um observador atento, fascinado pelos seus gráficos, pelas suas teses e ainda pelos programas informáticos que inventava para melhor elaborar os seus estudos.
A sua obra científica foi publicada em distintas ocasiões e em várias edições internacionais dedicadas às pescas.

I'm not the best person to write with accuracy and scientific knowledge about his work in this area. I have always been an attentive observer, fascinated by his graphics, his thesis and also the computer programs he invented to better prepare their studies. His scientific work has been published on different occasions and in various international editions dedicated to fishing



Fotógrafo apaixonado e dedicado, deixou, um património que constitui uma referência no que concerne à fotografia feita por portugueses, nomeadamente nos anos 50 e 60.

Passionate and dedicated photographer, left, a heritage which is a reference regarding the photography in Portugal, particularly in the 50s and 60s. 

A arte, a criatividade, a procura da perfeição são transversais a tudo aquilo a que se dedicava.

The art, the creativity, the pursuit for perfections are transversal to everything he dedicated to.


Cultivava a "dúvida" como um princípio no seu caminho constante em busca do conhecimento e em todas as suas formas de expressão.


He cultivated the "doubt" as a principle in his constant path in pursuit of knowledge in all its forms of expression.

Entre elas, a menos conhecida e menos divulgada é o desenho.



Among them, the less known and less divulged is the drawing.


Contudo, entendo que era, através do desenho que C.A.D. melhor se exprimia


However, I understand that it was, through drawing that C.A.D. expressed better. 

O seu olhar único, autêntico, critico e irónico, muito presente nas suas fotografias, foi também, nos seus desenhos, uma constante.



His unique look, autenthic, critical and ironic, very present in his photography, was also, in his drawings, a constant.

A técnica que aprimorou na fotografia é também uma característica da sua vocação de desenhador. Através de um traço firme rigoroso e expressivo manifestou sobretudo o seu olhar crítico da sociedade.



The technique he perfected in photography is also a feature of his vocation as a designer. Through a rigorous and firm line he manifested especially his critical view of society.

Fez uma única exposição de desenho e já foi há muitos anos, em Tavira.


He made only one drawing exhibition, many years ago, in Tavira.

Humilde como era não procurava o protagonismo nem tão pouco a autopromoção.


Humble like he was, he didn't look for protagonism, not even self-promotion.

As poucas exposições que fez, sobretudo de fotografia foram-lhe praticamente "impostas" por amigos verdadeiros que quase o "obrigaram" a partilhar o seu talento. "


The few exhibition he made, mostly of photography, were practically "imposed" by real friends that almost "made him" share his talent.

Este dia que dedico inteiramente à sua memória, não ficaria completo sem falar e mostrar a genialidade dos seus desenhos.

This day I dedicate intirely to his memory, wouldn't be completed without mentioning the geniality of his drawings.

Influenciaram-me desde tenra idade. Fascinaram-me e fascinam-me sempre. 

They influenced me since very little. They have always fascinated and still do.


Nota: Peço, por respeito ao meu pai e à família que os desenhos aqui publicados não sejam copiados, reproduzidos ou inseridos em qualquer meio sem a devida autorização. caso contrário accionaremos os meios legais relativos aos Direitos de autor e Direitos conexos.


Note. I ask, for respect to my father and my family, that the drawings here published aren't copied, reproducted or inserted in any way without authorization. Otherwise we will activate the legal means relative to the Copyright and Related Rights.

Gonçalo Afonso Dias
Translation: Tiago Afonso dias




[Prefácio da autoria de Gérard Castello-Lopes para a exposição dos desenhos de Carlos Afonso Dias na Casa das Artes de Tavira em 1984]:


PARIS, 8. XI.84  

Meu querido Carlos, 

Já passou um mês sobre a chegada dos teus desenhos e eu, moita! Primeira constatação: levaste 25 anos a concordar com o que te dizia em Cascais sobre o teu talento de desenhador. Rias-te, fazias pouco, minimizavas-te, como se a tua obrigação fosse de desenhar, pelo menos tão bem como o Leonardo ou o Ingres. 

Lembro-me de falar, nessa altura, na expressividade (Hergénea) do teu traço, da agudeza com que captavas os pormenores característicos de uma situação ou de uma personagem, o que denotava viva inteligência e raro humor. E só quem te não conheça estranhará que, sob o teu exterior severo, o teu olhar triste e a tua postura desconsolada, se esconde um sentido de humor cintilante e um gosto pelo “non sense” que frisa, muitas vezes, o surrealismo à boa maneira espamnola. 

Não sou crítico de arte e por isso terás de desculpar se, no arrazoado que se segue, topares com disparates e contra-sensos. 

O pouco que sei, todavia, levam-me a dizer que os teus desenhos mostram uma tal força, uma maturidade (sobre isso voltarei mais tarde), uma tal “felicidade” na representação da infelicidade, do “pathos”, da solidão, da espera, do medo – da velhice e da morte -, do ridículo, da injustiça, da alienação que tenho que me conter para não te aconselhar – como o fazia há 25 anos – a dedicares o resto do teu tempo a fazer aquilo que é claro ser a tua vereda pessoal. 

Talvez o que me tenha espantado mais nos teus desenhos seja a variedade da tua pesquisa e a riqueza das preocupações que elas revelam. É talvez o único sinal de imaturidade que neles detecto. Fica-se com a impressão que, de repente, acossado pelas urgências do tempo perdido, quiseste fazer tudo de uma vez, de borbotão, como uma comporta que se abre; que se o desenho tivesse sido a única preocupação da tua vida, o teu percurso teria sido, talvez menos explosivo. Terias tido tempo para explorar mais criticamente alguns dos meandros em que te embrenhas. 

Quais são esses meandros? Não é fácil compartimentá-los mas parece óbvio que vives habitado por um feixe de obsessões e não por uma só. É talvez por isso – embora a reflexão me pareça um pouco abusiva – que a primeira coisa que ressenti quando vi os teus desenhos (e ressentia-a com a violência de um vento impetuoso) é que estava confrontado com outros tantos pedaços do “puzzle” de um patético auto-retrato. 

A Paula Rego disse um dia que pinta para dar rosto ao seu medo. Ora o medo parece ser um dos teus temas. Não se trata de um medo metafísico , freudiano, infantil, coisa de pesadelo. É um medo impregnado de espanto, gerador de desalento, de solidão, de silêncio, de revoltas engolidas, de humildade, até. O que te salva é teres intacta a força de o exprimir, a raiva afirmativa de dizer – neste caso de mostrar – que a tua solidão e o teu desânimo são também coisa pessoal, que o cantinho ideológico e político em que eles se fundiram são categoricamente acidentais, o que não significa que não sejam importantes. O que transparece, para mim, é o lado pessoal, intímo, nuclear dessa desilusão do mundo de que a política é quiçá a resignada mas insatisfatória alternativa. 

Os teus desenhos gritam a saudade do bem e a magoada constatação do mal, da injustiça, da crueldade. E do ridículo! Esse sentido do ridículo, agudíssimo nos teus desenhos, revela um sadio sentido de humor ou, mais precisamente, um “sense of humour”, um jeito de rir das próprias misérias e, com alguma dissimulada ternura – com que maníaco pudor a mascaraste sempre -, as misérias dos outros. Até quando, com alguma crueldade, zurzes a maldade, a indiferença ou a alienação dos que te rodeiam, se adivinha que pensas: “There, but for the grace of God, go I”. 

Estarei enganado ao pensar que a presença da ternura nos teus desenhos não é temática mas formal? Que, em vez de desenhares cenas “ternurentas”, a tua afectividade se exprime no traço que sempre achei prodigioso de sensibilidade e duma vibração que me deixa sempre, e profundamente, comovido. 

Com que amor desenhas a sebastiância armadura de pessoa ou o atavio do marchand(?) de quadros! Mas até nesse domínio desconfias de ti próprio e tentas, por vezes, engrossar deliberadamente o risco, utilizando um “marker” espesso para escamotear o que talvez te pareça uma mendacidade demagógica e por isso ilícita. 

O meu propósito não é psicanalisar os teus desenhos nem para isso tenho competência, admitindo que o método tenha relevância ou utilidade. Mais do que tentar sondar o ancoradouro profundo dos temas que afloram nos teus desenhos, parece-me importante rejubilar com o facto de os teres feito e mostrado. Isso exprime a fértil contradição entre desalento e revolta, de sobejo, que estás vivo. E enquanto há vida… (por muito que os bonecos tentem dizer o contrário). 

Não tentarei, por isso, discretear sobre esses temas mas, tão só, inventaria-los. Mencionarei o das duas figuras sentadas lado a lado, uma barbuda, portadora de lunetas, “affalée” e resignada, a outra geralmente de pé, expectante, combativa, sagaz e um pouco cínica. 

Cito as “charges” claramente caricaturais e de índole política e o fascinante tema do ver e do que é visto pela janela, ideia mediterrânica que sucede alienações e ameaças suicidárias. 

Haverá elo subterrâneo entre si e o Pessoa? Faceta que ignoro. Para além da carga simbólica presente no desenho do poeta, enorme, a caminhar na cidade deserta (para mim a cena é nocturna) adivinha-se que o desenhador não o imaginou mas o viu de facto assim, o que empresta à vigília janeleira uma utilidade esperançosa e redentora. 

Vistos os temas, terei desgraçadamente de falar da técnica. Apesar da minha ignorância nessa matéria creio que é nesse âmbito que mais claramente se afirma a tua maturidade, Do traço ligeiro, fino e nervoso, ao claro-escuro amorosamente trabalhado, tudo dominas com a facilidade que decorre, julgo eu, de anos de investigação e de prática e de um talento que, por vezes, roça o virtuosismo. Vendo os teus desenhos (maldita mania a minha da citação e da correspondência) não pude deixar de evocar os do Saul Steinberg e do Ronald Searle. E até os do Beardsley. O que me levou a uma meditação sobre desenho e “cartoon”. 

Provavelmente por preguiça, nunca tinha pensado seriamente no assunto. Privado de autoridade, livresca ou pessoal, sinto-me em terra ignota e, a partir daqui, estou a voar sem rede. 

Não me apetece hierarquizar as duas formas de expressão mas creio que existe uma topicalidade no cartoon que está ausente no desenho. Um cartoon é portador de mensagem, vectorial, sintética, significante. O desenho, para mim, é menos “topical” , mais difuso e, talvez por isso, mais perene. Isto é falso mas ao mesmo tempo verdadeiro porque, para lá da topicalidade, há qualquer coisa que a transcende, isto é, que está por cima. E assim me contradigo novamente porque comecei por afirmar que não há hierarquias. Mas há nos teus desenhos como que uma pulsão literária, uma anedota heráldica, uma necessidade quase obsessiva de dizer pelo traço o que, por pudor; te absténs de dizer por palavras. Isto não constitui um pecado mas, de certa maneira, sinto que isso, para ti, é o último refúgio, a inultrapassável justificação de que te socorres. Talvez haja aqui petição de princípio. Ao contrário de ti, entendo que uma fotografia e, de caminho, um desenho não significam nada. O propósito de um e de outro é desencadearem uma misteriosa (e canónica) alegria no espectador. Tu, agora e sempre, acreditas na guerra dos mundos, e aquela exultação parece-te suspeita. E, a meus olhos, o último obstáculo que te falta transpor para aceder áquilo que eu entendo que é a liberdade. Porque, no fundo de mim vigora a certeza que podes ir mais longe sem ter de mascarar a tua ternura, o teu desespero e a tua solidão sob o atavio da anedota. 

O “engagement” também pode ser medido a longo prazo e a força do teu desespero e do teu talento é tal que, mais do que o sorriso histórico com que acolhemos as denúncias de Daunier, deverias desencadear o perene maravilhamento com que recebemos as mitologias do Picasso. 

Terá isto algum nexo pata ti? Não sei. Só sei que é bom ser teu amigo e que “cartoon” ou desenho, estou contigo e fazes parte da minha vida. 

Abraços do Gérard

(Texto integral)



















(Desenhos de Carlos Afonso Dias, 1983, 1984)
(Drawings by carlos Afonso Dias 83s, 84s)












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