Tuesday, January 03, 2012

Angola 2012 - Regresso a Portugal - um coração dividido / Angola 2012 - Return to Portugal - A divided heart


Cheguei ontem a Portugal ao final da tarde. Passei os últimos 10 dias em Angola, maioritariamente em Luanda.
Ali passei o Natal e "enterrei" 2011.

I arrived yesterday to Portugal in the late afternoon. I spent the last 10 days in Angola, mainly in Luanda.
There I spent my Christmas and "burried" 2011.

Não foi a primeira vez que passei o ano em Angola.

It wasn't the first time I passed the year in Angola.

Mas esta foi especial - fui com a minha Mãe. Uma angolana nascida em Luanda no dia 27 de Agosto de 1933, (com 78 anos, portanto) que há 31 anos não pisava a sua terra.
Não se trata de uma angolana comum; é uma "mulher de armas" com um coração enorme, inversamente proporcional à aparente fragilidade do seu metro e meio de altura, ou pouco mais.

But this time was special - I went with my Mom. An angolan born in Luanda August 27th 1933, (78 years old) that hadn't stepped foot on her land for 31 years.
It isn't a common Angolan, it's a "woman of arms" with a huge heart, invesely porportional to the the aparent fragility of her meter and a half tall, or a little bit more.





"Duas Grandes mulheres - A minha mãe e a Isabel"

Fotografia: Gonçalo Afonso Dias. Luanda, 01 de Janeiro de 2012
"Two Wondergul woman - My mother and Isabel"

Photography: Gonçalo Afonso Dias. Luanda, January 1st 2012


Sonhou, nos tempos do colonialismo, com uma Angola Independente, com um povo livre e dono do seu país. 

Dreamed, in the times of colonialism, with an Independent Angola, with a free people and master of it's country.




(Edição do departamento de Orientação Revolucionária (DOR) - MPLA) 



Lutou depois, nos memoráveis tempos da guerrilha pelo poder, entre os 3 principais movimentos (M.P.L.A., U.N.I.T.A e F.N.L.A) nas fileiras da O.M.A. (Organização da mulher Angolana), afecta ao Movimento Popular de Libertação de Angola.


Later fought in the memorable times of guerilla for power, between the 3 principal movements (M.P.L.A., U.N.I.T.A. and F.N.L.A.) in the ranks of O.M.A. (Organization of Angolan Women), affected yby the M.P.L.A. (People's Movement for the Liberation of Angola).

Como enfermeira esteve, por diversas vezes no "teatro de guerra", na Frente de Combate a auxiliar e a salvar, em muitos casos, os militares das F.A.P.L.A. (Forças Armadas de Libertação de Angola) feridos em combate.

As a nurse she was, in diverse ocasions in the "theater of war", at the front to assist, in many cases, the soldiers of the F.A.P.L.A. (People's Armed Forces for the Liberation of Angola) wounded in combat.

Com o meu (já desaparecido) pai abdicou de uma vida tranquila, ficou no seu país, com a sua família quando quase todos, em 75,  retornaram a Portugal.

Together with my (already gone) father, she abdicated of a quiet life, stayed in her country, with her family when almost everybody, in 75, had returned to Portugal.

Viveu (vivemos) tempos difíceis e Históricos no "Pós Independência". A insegurança e os focos de guerrilha, a total ausência de bens alimentares - consequências de uma descolonização selvagem protagonizada pelas autoridades portuguesas, depois de uma colonização focada na ganância económica onde os negros, quanto muito, aspiravam a um lugar de "contínuo" num qualquer serviço público.

She lived (we live) hard and Historical times in the "Post-Independence". Insecurity and Guerrilla warfare, the total absence of food - consequences of colonization by the Portuguese authorities, after a colonization focused on economic greed where blacks, at best, aspired to be a "janitor" in some public service.




"Natal em Família"
Fotografia: Gonçalo Afonso Dias. Luanda 24 de Dezembro de 2011

"Christmas in Family"
Photography: Gonçalo Afonso Dias. Luanda, December 24th 2011


Vivemos no Lobito até ao "Avanço" das forças da UNITA a partir da África do Sul, (pouco tempo antes da Independência), apoiadas politicamente pelos Estados Unidos e militarmente reforçadas pelos mercenários Sul-Africanos. Fizemos parte da "coluna" de angolanos e portugueses afectos ao MPLA que foi obrigada ao famoso "recuo" de carro para Luanda enquanto o exército UNITA / MERCENÁRIOS avançava vertiginosamente para a capital.

We lived in Lobito to the "Advancement" of UNITA forces from South Africa, (shortly before independence), supported by the United States and politically and militarily reinforced by South African mercenaries. We were part of "column" of Portuguese and Angolan MPLA which was assigned to thank the famous "retreat" by car to Luanda while the UNITA military / mercenary progressed dramatically in the capital.

Três dias de medo, de fome, de privações mas também 3 dias onde imperou a solidariedade e a coragem de todos. A gasolina era escassa, as paragens eram frequentes para dividir por todos o pouco combustível que havia nos depósitos dos automóveis.

Three days of fear, hunger, deprivation but also three days where it prevailed solidarity and courage of all. Gas was scarce, the stops were common to divide by all the little fuel that was in the tanks of the cars.

Tempos e momentos Épicos... Uma história que ainda está por contar.

Times and Epic moments.... A story that is yet to be told.
A História de tantos portugueses e angolanos que deram tudo, inclusive a vida, por uma causa maior - o Direito à Liberdade de um Povo Oprimido.

The story of so many Portuguese and Angolan that gave everything, including their life, for a bigger cause - The right to Liberty of a Repressed Poeple.
Não serei eu a escrever essa História. Será o Tempo. Necessariamente.

I won't be the one writing this story. It will be time. Necessarily.

O Tempo, acredito, eternizará a memória de homens como Eduardo Azevedo, que usava a sua pequena avioneta para ajudar as FAPLA nos reconhecimentos aéreos. O Eduardo Azevedo, branco, português, casado com uma francesa (Marie-France) e com vários filhos nascidos em Angola morreu pela "causa". A sua avioneta foi abatida pela UNITA, na pista do aeródromo do Lubango (ex - Sá da Bandeira). Acabou ali... mas permanecerá como um herói no coração de todos os que o conheceram, brancos ou negros, angolanos ou portugueses.

The Time, I believe, with perpetuate the memory of men like Duardo Azevedo, who used his little plane to help the FAPLAs in air reconnaissance. Eduardo Azevedo, white, portuguese, married witha french woman (Marie-France) and with many children born in Angola died for the "cause".
His aircraft was taken down by the UNITA, in the stril of the Lubango Airport (ex Sá da Bandeira).
He ended there... but will prevail as a hero in the heart of everyone who met him, black or white, angolan or portuguese.


Este pequeno texto (o primeiro de muitos que se seguirão sobre esta estadia em Angola) inclui memórias vivas, reacendidas de cada vez que piso esse país que também é meu.

This piece of text (the first of many that will follow about this stay in Angola) includes vivid memories, rekindled every time I step on that country which is also mine.

Contudo, como de todas as vezes, sinto-me dividido... As emoções atropelam-se, umas boas, outras más...Cansam-me muito mas não me impedem de pensar. Lá como cá considero-me uma espécie de "dissidente", um "não-alinhado".

However, like all times, I feel divided ... Emotions run over us, some good, some bad ... They tire me a lot but do not prevent me from thinking. There as here I consider myself some kind of "maverick", a "non-aligned".

Lá como cá, não deixarei nunca de dizer e de escrever aquilo que penso. E pensar, indiferente aos pressupostos políticos, aos sofismas do poder, aos discursos do "sentido único" e da "ausência de alternativas", é o melhor tributo que posso prestar a pessoas como o Eduardo Azevedo, a minha mãe mas sobretudo ao meu Pai -  que me ensinou o "Exercício da Dúvida Metódica". Na arte e na vida. Ou, mais poeticamente, na "Díficil Arte de Viver de Cabeça Levantada".


There as here, I will never stop saying and writing what I think. And to think, regardless of the political assumptions, the sophistries of power, the discourse of the "one way" and "no alternative" is the best tribute I can pay to people like Eduardo Azevedo, my mother and especially my Father - who taught me the "Exercise of methodical doubt." In art and life. Or, more poetically, the "difficult art of living with your head up."



Com um beijo à Catila Mingas que reencontrei em plena pista do Aeroporto de Luanda

With a kiss to Catila Mingas that I re-found in broad lane of the Luanda airport

Gonçalo Afonso Dias (architect)
Translation: Tiago Afonso Dias

2 comments:

Luis Fernendo said...

A sua mãe foi uma heroina.Nós fomos vizinhos no Lobito.Sou Luis Castro«Xiquinho» e o meu pai era o gerente do Hotel Terminús.Combati pelo MPLA EM 75 COM O COMANDANTE LIBATA.sOU AMIGO DO COMANDANTE SAPO«GENERAL»e falamos sempre com saudade da sua mãe.Tambem fui piloto com o Eduardo Azevedo que foi assasinado pelos bandidos dos Kwacha mais os racistas SUL Africanos.Foi com alegria saber que a sua mâe se encontra entre nós.Beijinhos para ela um abração
Xiquinho
xiquinhocastro@gmail.com

Gonçalo Afonso Dias said...

Obrigado Luís! Apesar da minha mãe já ter uma idade "de respeito" a sua memória, sobretudo no que respeita a esses tempos, é bem mais viva do que a minha. Reenviei-lhe a tua mensagem e é claro que ela se lembra perfeitamente de ti bem como de muita gente que estava connosco nessa altura. Deixo-te aqui a resposta que ela me enviou, servindo de intermediário com todo o gosto:
" Não posso deixar de me sentir reconhecida pelo comentário do Luis. Nunca me poderia esquecer dos nossos visinhos que eram pessoas muito educadas. Quanto ao Luis
um muito obrigada pelo carinho que demonstra ter por mim. O luis também foi um jovem destemido, tal como o Eduardo Azevedo.
Fica um até breve.
(Fernanda Seixas)"

Da minha parte, um grande abraço, e, como escreve a kota,"um até breve!".