Thursday, July 12, 2012

Chagas de Salitre



Fotografia: Gonçalo Afonso Dias
Lobito, Angola, 07/2012

Chagas de Salitre
de
Ruy Duarte de Carvalho

Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada
cavar glórias a grandeza
do outro lado do mar.

Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.

Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.

Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.

Olha-me noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.



Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, 1941 – Swakopmund, 2010) foi um escritor, cineasta e antropólogo angolano
 (Wikipédia)



(Fotografia: Net)

"Costumo dizer que é muito mais fácil fotografar a miséria do que a alegria.
Não fotografo mendigos ou indigentes já sem dignidade, já sem a capacidade de dizer: Não!
Não fotografo "ás escondidas", sub-repticiamente, para conseguir uma imagem com impacto.
Em Angola, em Portugal ou noutra parte qualquer do Mundo procuro fotografar a verdade, com verdade. Este homem é digno. O que não é digno é o que estão a fazer dele e de muitos milhares nas mesmas condições...
Importa em fotojornalismo "não inventar realidades". A fotografia, neste caso é uma arma, pequena mas contundente, de denúncia, de critica, de protesto e, sobretudo, de solidariedade." (GAD)

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