Wednesday, February 22, 2012

Cá se vai andando, c'o a cabeça entre as orelhas. Cá se vai andando c'o a cabeça entre as orelhas...



"Vamos andando..."
Fotografia: Gonçalo Afonso Dias, 2008


Coro Das Velhas 


Ia eu pelo conselho de Caminha

quando vi sentada ao sol uma velhinha

curioso, uma conversa entabulei

como se diz nuns romances que eu cá sei



Chamo-me Adozinha, disse, e tenho já

os meus 84 anos, feitos há

mês e meio, se a memória não me falha

mas inda vou durar uns anos, Deus me valha



Com esta da austeridade, meu senhor

nem sequer da para ir desta pra melhor

os funerais estão por um preço do outro mundo

dá pra desistir de ser um moribundo



Rabugenta, eu? Não senhor

eu hei-de ir desta pra melhor

mas falo pelos que cá deixo

não é por mim que eu me queixo



Ó Felisbela, ó Felismina

ó Adelaide, ó Amelinha

ó Maria Berta, ó Zulmirinha

vamos cantar o coro das velhas?



Cá se vai andando

c'o a cabeça entre as orelhas



Não sei ler nem escrever mas não me ralo

alguns há que até a caneta lhes faz calo

é só assinar despachos e decretos

p'ra nos dar a ler a nós, analfabetos



E saúde, eu tenho p'ra dar e vender

não preciso de um ministro para ter

tudo o que ele anda a ver se me pode dar

pode ir ele p'ro hospital em meu lugar



E quanto a apertar cinto, sinto muito

Filosofem os que sabem lá do assunto

Mas com esta cinturinha tão delgada

Inda posso ser de muitos namorada



Rabugenta, eu? Não senhor

eu hei-de ir desta pra melhor

mas falo pelos que cá deixo

não é por mim que eu me queixo



Ó Felisbela, ó Felismina

ó Adelaide, ó Amelinha

ó Maria Berta, ó Zulmirinha

vamos cantar o coro das velhas?


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