Friday, March 30, 2012

Conversas com a Morte - A 3ª Via.



"Conversas com a Morte #03"
Desenho: Gonçalo Afonso Dias, 03-2012




A 3ª Via.



Compete-nos, durante a vida e sobretudo na fase mais "madura" da nossa existência - partindo do princípio que chega a esse estágio, decidir o que queremos que seja feito com o nosso corpo depois de morremos.


Independentemente de todas as questões filosóficas e/ou esotéricas da gasta, mas sempre pertinente questão: «Será que há algo perceptível depois da morte?», uma coisa é certa e infalível: mais tarde ou mais cedo o nosso dia chegará - de uma forma relativamente "natural" - a velhice, a falência da "máquina" e do motor a que chamamos "coração" ou por uma qualquer "piada de mau gosto" que a vida nos conte...

Os Portugueses, de um modo geral, não lidam bem com a morte - por isso inventaram o Fado.

Outros povos, com outras culturas - os nórdicos, por ex. são bem mais condescendentes e racionais com essa inevitabilidade.

Os angolanos festejam o "óbito" durante longos dias de festa... Celebram, à sua maneira, a morte como celebram a vida. Dançam, cantam, bebem, comem, choram e riem.

Tenho uma relação vagamente pacífica com essa "poderosa senhora". Já a vi, fascinou-me e, durante muito tempo preencheu os meus "vazios".

A "Morte Branca", bela, sedutora, irresistível. José Cardoso Pires prestou-lhe, como ninguém, uma merecida homenagem - «De Profundis - Valsa lenta», escreveu ele depois de ter sido confrontado com a matreirice da "menina de branco vestida".

Morrer, na sua essência, deveria ter exactamente o mesmo valor de "nascer".

Há apenas, nesta "coisa" da morte uma questão que me incomoda e que,... aceito..., revela, pelo simples facto de me incomodar, um espírito - o meu - que recusa as verdades absolutas e pragmáticas da Ciência e dos cientistas;

A questão até é simples: o destino do meu corpo, depois de alma ter, "supostamente", partido para "parte incerta."

Se, por um lado me horroriza (e recuso) o tradicional e muito católico "enterro" - talvez por ter nascido asmático e vagamente claustrofóbico - não aguento elevadores e estações de metro... Por outro lado, a alternativa - a cremação - ainda (se tal é possível) me faz mais "espécie" e me causa maiores afrontamentos.

Arder como um banal tronco de azinho numa lareira em tempo de Inverno, causa-me, para além da já referida perturbação, uma asfixia insustentável.

Entendo, por tudo isso, que já era tempo de existir uma 3º Via:

A investigação cientifica, tão assertiva, actual e notável, noutras vertentes (a guerra, por ex.), já há muito devia ter criado uma "máquina" que, pura e simplesmente nos desintegrasse.

Entrávamos nessa "engenhoca" e ... Uau!.. virávamos partículas ínfimas e higiénicas, lançadas no espaço!

Desapreciamos, pura e simplesmente e não incomodávamos, tão pouco, os peixinhos do mar.

Sem grandes encargos para a família, sem rituais auto-flagelantes, sem "lágrimas de crocodilo".

Não deve haver coisa mais sinistra do que a cremação. Torram-nos e guardam as desgraçadas das nossas cinzas numa espécie de "lata de cerveja", hermética, inestética, incómoda e inconveniente para todos.

Decidi, portanto, que vou esperar pacientemente... só vou morrer depois de terem inventado essa tão (por mim, pelo menos) desejada máquina vaporizadora.

Gonçalo Afonso Dias, 03-2012


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